Prezados colegas, parentes
orgulhosos, caros professores, caras professoras, ilustríssimo Presidente do
Consórcio Cederj, ilustríssima Diretora Acadêmica do Cederj, Sra. Diretora do
Instituto de Letras da UFF, Sra.
Coordenadora do curso, Sra. Vice-Coordenadora do curso e Excelentíssimo
Senhor Reitor:
Não é tarefa simples redigir
um texto para que seja lido em voz alta numa situação comunicativa tão
importante, pois, apesar de o discurso de formatura ser um gênero textual
altamente monitorado, e apesar de a escrita ser muito diferente da fala por,
entre várias razões, permitir um grau muito mais elevado de premeditação, nem
sempre sabemos quando as palavras vão nos trair. Escolher o que dizer faz com que se escolha o
que não será dito, porque toda seleção pressupõe uma exclusão, de modo que,
quando dizemos A, deixamos de dizer B. Decidimos
declarar que esta cerimônia é como o pouso de Pégaso, feito após um longo voo, durante
o qual batemos as asas com todas as forças.
Finalmente chegamos
aqui: meta alcançada, dever cumprido. Agradecemos a todos e todas: às
professoras doutoras, aos professores doutores, às mestras, aos mestres, aos tutores,
às tutoras, às funcionárias e aos funcionários de apoio e familiares, pessoas
que tornaram possível nossa caminhada. A
essas pessoas nos dirigimos agora para dizer: muito, muito obrigados.
Que este momento fique
marcado na memória dos que vieram. Para
isso, levantaremos três temas centrais: 1º: a qualidade dos ensinos
fundamental, médio e superior; 2º: a democratização do ensino superior, para a
qual contribuíram os cursos da modalidade EAD; e 3º: a superação, que
inevitavelmente se mistura com o segundo assunto.
No Brasil, um país de
treze milhões de analfabetos, quando se fala em qualidade de ensino, ninguém
questiona a superioridade das universidades públicas, que, como sabemos, não
cobram mensalidades. A elevação da
qualidade da educação básica da rede pública depende, e muito, do que acontece
no ensino superior, porque é da universidade que saem os professores que podem
fazer a diferença na vida dos estudantes espoliados e condenados à pobreza dos
bairros onde ficam muitas escolas públicas.
Isso significa que, se os professores universitários, os lentes, querem
mais alunos nos campi daqui a, por
exemplo, dez anos, não podem esperar que a educação básica forme esses alunos
sozinha, porque a melhoria dos ensinos fundamental e médio começa no campus, e não na educação básica. É aqui que as professoras e os professores
devem se munir com duas coisas: habilidades, que exigem treinamento e
condicionamento, e conteúdos, que exigem memória e constantes leituras,
leituras para as quais infelizmente não há boas bibliotecas nem bibliotecários
profissionais nas escolas, quer sejam escolas públicas, quer sejam escolinhas
particulares de franquias famosas. Em
outras palavras: é o ensino superior que deve garantir primeiro a qualidade do
ensino básico, e não o contrário; e, quando sairmos deste auditório, poderemos
começar a fazer isso: poderemos transformar o mundo das escolas públicas do
estado do Rio, cujo governo, como diria Camões, caiu no engano ledo e
cego. Acreditando em Paulo Freire,
admitimos que mudar é difícil, mas não impossível.
Entramos agora no
segundo tema deste discurso: a democratização do ensino superior,
democratização para a qual contribuíram os cursos EAD.
Ninguém há de negar
que, em nosso país, ocorre o que uns chamam de democratização e, outros, de
massificação do ensino superior. Apesar
de hoje haver mais oportunidades para a classe baixa chegar à universidade
pública, cujo ensino ainda é muito melhor que o da particular, alunos assalariados,
talvez a maioria dos trabalhadores que ingressam no ensino superior, infelizmente,
matriculam-se em instituições que cobram mensalidades. É triste ver que os que menos podem gastar
com a educação formal são os que enchem os bolsos das empresas, cada vez mais
bem estabelecidas e difundidas.
É muito dura a
realidade do estudante matriculado em universidade privada. Enfrenta ele duas jornadas de trabalho,
porque estudo, assim como a venda de um serviço por remuneração, é trabalho; e
mesmo que outra pessoa pague as mensalidades por ele, alguém está pagando para
que outro alguém trabalhe. E, no fim, dependendo
do curso, o diploma não terá o peso equivalente ao de um que tenha sido
concedido por uma universidade pública.
Muitos e muitas de nós tiveram
de vender a força de trabalho em atividades não necessariamente ligadas ao
curso de Letras, embora outros tenham conseguido atuar voluntariamente em sala
de aula graças ao tempo que o curso EAD proporcionou. O curso a distância permitiu que passássemos
menos tempo no campus ou no polo e
mais tempo em outras atividades. Por
isso o ensino a distância deve ser defendido, ainda que as circunstâncias que
permitiram a ascensão dele sejam do interesse do capitalismo, que obriga o
universitário brasileiro a se preocupar com o lado material da vida, o que não
permite que ele tenha aquele que deveria ser o seu único trabalho: o de
estudar. Contudo, o EAD e o Cederj podem
e devem ser defendidos, principalmente em tempos de cortes de verbas. E não dizemos isso só porque o mercado de
trabalho e o serviço público são carentes de professores, mas também pelo fato
de nosso curso ser de altíssima qualidade, graças às suas características
únicas, das quais falaremos mais adiante.
Pode ser que um dia a nossa modalidade de ensino, prevista pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação em nome da universalização do ensino, seja
facultativa e escolhida unicamente por suas enormes vantagens, e não pela
necessidade de conciliar as vidas acadêmica e profissional, das quais a última
ainda é imperativa. Sem o curso EAD, e
sem o suporte da UFF e do Cederj, não estaríamos nos formando. No caso específico de algumas mulheres,
devemos ressaltar a tripla jornada de trabalho, porque temos formandas que se
tornaram mães durante a graduação e não abandonaram os estudos.
No fim, conseguimos
enfrentar duas, ou, como ficou dito, três jornadas de trabalho. Isso seria quase ou totalmente inviável num
curso presencial. Daí a valorização do
EAD: ele é mais flexível. E, apesar de
não podermos viver no campus com o
lado material e financeiro da vida garantido com excelentes bolsas, coisas que
são ideais justamente por existirem só na ideia, pelo menos NÃO pagamos para
trabalhar. Com a inevitável repetição,
vejamos o seguinte raciocínio:
premissa maior: estudo
é trabalho;
premissa menor: o
universitário de instituição particular paga para estudar;
logo (e esta é a única conclusão
possível), ele paga para trabalhar.
Curiosamente, o sentido
que damos à palavra estudo é apagado
por outros, e esses outros são mais evidentes por estarem de acordo com a
ideologia dominante. No entanto,
estudando Análise do Discurso de linha francesa, aprendemos que o sentido
sempre pode ser outro, e que portanto podemos resistir a falsas verdades. Assim, o sentido etimológico da palavra escola, que é lugar de ócio, só é único quando nos limitamos a entender que a
instituição de ensino é espaço exclusivo dos que não têm de fazer o trabalho
mais pesado, destinado sempre aos que estão na base da pirâmide social, como na
Grécia antiga. Se aceitarmos isso como
verdade inquestionável e naturalizada, os campi
não serão faculdades nem facultativos: serão um privilégio para os que têm
ócio, ou seja: para os que têm tempo livre por falta de trabalho, como se
estudo não fosse trabalho, quando na verdade é, ainda que o senso comum não
torne isso evidente.
Não podemos dizer que
os colegas do curso presencial não lidaram com privações só porque supostamente
tiveram como únicos trabalhos as obrigações acadêmicas. Afinal, a vida não é fácil para ninguém, e nós
somos a prova inegável disso — nós, que nos superamos para chegar onde
estamos. A superação, porém, só foi
possível porque houve as oportunidades, e justamente por isso estão misturados os
dois últimos temas principais de que falamos.
Temos muito que
comemorar por dois motivos. O primeiro,
como eu já disse, é que não pagamos mensalidades para estudar, ou seja: não
pagamos para trabalhar, e isso, hoje, é revolucionário, porque, não bastasse
testemunharmos o crescimento da privatização e da mercantilização do ensino
universitário, um veículo de comunicação, usando a função apelativa da
linguagem, já se mostrou favorável à extinção da gratuidade do ensino superior.
O segundo motivo para
comemoração são as características únicas e as vantagens de nosso curso. Tudo isso se comprova com o excelente
material didático que recebemos de graça (com a exclusão do fato de que no
Brasil se pagam muitos impostos, é claro).
Ficou dito que os professores e as professoras devem se munir com
habilidades e conteúdos. Pois bem: podemos ler e reler nossas aulas, que o
vento não leva. Talvez isso também aconteça
no curso presencial, mas, se isso é verdade, o mérito é do curso EAD, cujas
aulas agora podem ser uma referência para a outra modalidade. Na condição de mestrando, usarei as aulas
como fontes de pesquisa. Foram
elaboradas, em sua grande maioria, por professores da UFF. Sendo assim, o fato de nos formarmos aqui não
pode ser o único motivo de comemoração: a própria modalidade de ensino também
é: ela permite que o conhecimento não fique preso dentro das paredes da sala de
aula. E isso se confirma também quando
lembramos que nosso curso preza a formação de bons leitores e bons redatores;
e, embora não haja a intenção de formar literatos, há entre nós um escritor
muito premiado, que pôde se enriquecer durante o curso. Se hoje sabemos elaborar planos de aula com
pré-requisitos, objetivos gerais, objetivos específicos, atividades e referências
bibliográficas; se hoje sabemos que, embora o professor de língua não seja
obrigatoriamente um linguista por não ser necessariamente um produtor de conhecimento
científico; se hoje sabemos da importância de estar em dia com a ciência por
meio da leitura dos textos de divulgação científica, devemos tudo isso às professoras
e aos professores que redigiram as aulas do nosso curso, implementado graças
aos esforços das professoras Rosane Monnerat, Jussara Abraçado e Maria Lúcia,
lideradas pela professora Lívia Reis. Como
pianistas que se desdobram para inserir todas as notas usando todas as teclas,
inseriram o máximo de conteúdo em suas aulas.
Finalmente estamos chegando
à conclusão desta mensagem. Sabemos que ela
é um discurso porque, sendo um objeto simbólico constituído de signos linguísticos
da nossa língua materna, o sentido que ela contém é um efeito da
interação. Do ponto de vista da
linguística textual, contém início, meio e fim; do ponto de vista discursivo, porém,
esta mensagem é incompleta. Quando a
leitura em voz alta chegar ao fim, não estará na memória dos ouvintes por
inteiro, e por isso haverá deslizamentos ou desvios de sentido, o que é normal. Quero lembrar, no entanto, que, no início,
foi dito que, quando dizemos A, deixamos de dizer B. Escolhemos o que dizer, e escolhemos o que
não diríamos. Hoje, seria muito infeliz
o uso da frase Ao vencedor as batatas,
que, no romance Quincas Borba, de
Machado de Assis, resume algo abominável: a sobrevivência do mais forte, um
fantasma do século XIX que permeia e assombra o século XXI. Sozinho, sou mesmo fraco, mas, com a ajuda de
meus amigos e minhas amigas, aos quais sou muito grato, pude vir a este
auditório na condição em que muitos eles se encontram: a de formando.
Para a totalidade dos
formandos e das formandas, significa muito a conclusão de um curso numa
universidade pública, muito mesmo. É particularmente significativo para os que,
como eu, são de origem humilde. Sei bem
que, se tivesse nascido em outra época, eu não estaria aqui. Talvez tivesse um destino semelhante ao de
meu avô materno, que não pôde concluir o ensino fundamental, e, para sustentar
a mulher, cinco filhas e um filho, passou boa parte da vida enfrentando duas
jornadas de trabalho: a de ferroviário e a de vendedor de picolé. Talvez eu tivesse sorte idêntica à de minha
avó paterna, que era analfabeta. Lavava roupas
para garantir renda, e a partir de um certo tempo não pôde contar com o marido,
que a abandonara sem se preocupar com a filha e o filho que ainda dependiam dos
pais, os mais novos de um total de oito filhos.
Por fim, peço que
divulguemos o nosso curso e a forma de ingresso aos que não conhecem nem uma
coisa nem a outra. Essa é uma forma de
mudar o status quo para melhor. É pela vontade de transformar a sociedade que
devemos utilizar os conhecimentos e as habilidades que construímos nestes
quatro anos e meio, e não só pela nossa própria ascensão social, porque lá fora
existem pessoas tão inteligentes e talentosas quanto nós ou até mais, à espera
de uma oportunidade idêntica a esta, que nós agarramos. É nossa responsabilidade criar possibilidades
de ascensão social e educação para elas.
Muito obrigado.
Márcio Alessandro de
Oliveira. Teresópolis, 29/9/2016. (Últimas alterações feitas em 3/10/2016, data
da formatura, realizada em Niterói, no Auditório Macunaíma, Bloco B, campus Gragoatá.)